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Amamentar é Um Ato de Cumplicidade Entre Mãe e Filho

Contar com o apoio de familiares, amigos e profissionais dá segurança e fortalece laços

por Aline Melo de Aguiar

Há tempos trabalho com apoio à amamentação. Oriento mães durante a gestação e, no pós-parto, faço visita domiciliar para acompanhar a amamentação. A princípio, é um trabalho técnico: posiciona o bebê dessa forma, encaixa assim o bico do seio, faz isso, faz aquilo! Pronto o bebê pegou o seio, a missão está cumprida, eu me despeço e vou embora!

Mas nem sempre o bebê pega o seio tão facilmente. Às vezes eu preciso fazer uma segunda visita e, mesmo assim, o bebê não pega. Onde está a falha se a técnica está sendo empregada corretamente? Percebo que o trabalho técnico nem sempre é suficiente.

Amamentar é muito mais do que por em prática técnicas aprendidas. A técnica sozinha não dá conta de algo que exige muito mais. Amamentar exige afeto, exige cumplicidade, exige entrega. Tanto por parte do profissional que faz o atendimento quanto da mulher e da família que, em geral, está presente para auxiliar a mãe.

Como profissional, me questiono se sou sempre afetuosa, se me entrego na medida exigida e se sou cúmplice. Mas a verdade é que nem sempre sou tudo isso. Esta é uma relação de mão dupla. E só é possível se estabelecer uma relação de cumplicidade quando há a permissão para isso. É com um toque, com um abraço, com uma pequena aproximação que percebo se posso ou não entrar naquela relação ou se vou apenas fazer meu trabalho técnico.


Cumplicidade e intimidade faz toda a diferença

Quando minha irmã engravidou, fiquei muito apreensiva com a amamentação. Ela sabia do meu ponto de vista favorável ao aleitamento materno. Sendo assim, sempre disse que desejava amamentar. Pela minha experiência profissional, sei que o verbal, nem sempre é o verdadeiro desejo e que só na hora do “vamos ver” é que eu teria a certeza se ela, de fato, verbalizava o que sentia e desejava.

Essa vontade é algo que nem sempre é consciente e que pode ou não acontecer quando a mãe estiver em contato com o bebê. Por isso, precisei conter a minha ansiedade e esperar o nascimento do meu sobrinho.

Tomei a iniciativa de comprar e sugerir alguns produtos que não são muito indicados para o aleitamento materno exclusivo, para lhe fazer perceber que não sou tão radical e que me importo mais com o bem-estar, tanto do bebê quanto da mãe, e com a qualidade da relação a ser estabelecida entre os dois.

Amamentar no seio não é um processo tão automático e instintivo como pode parecer à primeira vista. Não é porque somos mamíferos que o aleitamento vai acontecer naturalmente como acontece com os animais. Somos seres sociais, vivemos em um tempo histórico e dentro de uma determinada cultura que dita regras e mostra certos e errados.

A cultura molda a prática de mães e pais, para além da biologia do ser humano. Desse modo, amamentar é um ato complexo que envolve questões sociais, afetivas e fisiológicas. Individualmente, requer desejo, tranquilidade, apoio e, também, técnica. Além, claro, da sucção constante do bebê no seio materno. Afinal de contas, temos nosso lado mamífero e, portanto, fisiológico!


O desejo de amamentar

O dia do nascimento do bebê. E ele foi envolto em grande expectativa, ansiedade e medo. Ele chegaria um pouquinho prematuro, com 35 semanas, e havia a possibilidade de ter que ir para a UTI. Este seria um fator relevante no estabelecimento inicial da amamentação. Bebês em UTI significam alto nível de estresse materno. E tal situação afeta o aleitamento no sentido logístico e emocional.

Mas nada disso aconteceu. Um pouco pequeno, pesando 2,4kg, ele nasceu bem. Não precisou ir para a UTI, pôde ficar no quarto com a mãe. Mas alguns cuidados eram necessários, eu sabia: controle de glicemia, introdução do leite complementar para mantê-la e tudo o que era possível para que o bebê ficasse estável e sem perder peso. Dessa forma, o aleitamento materno nos dias iniciais ficou um pouco em segundo plano.

Mas já na maternidade eu comecei a perceber que a minha irmã queria amamentar o seu filho de verdade. Ela foi incansável. Colocava o bebê no peito a todo instante, buscando engajá-lo na amamentação e acertar o encaixe entre mãe e bebê.

Ele dormia muito, tomou complemento por conta da glicemia e teve um pouco de dificuldade de pega por estar sonolento. As enfermeiras vieram ajudar e eu ainda estava me situando, vendo qual seria o meu papel naquele cenário. Em que momento eu deveria ou não entrar com minha “técnica”? Dei muito abraço nela, muito colo para o bebê, prestei atenção ao atendimento da enfermagem. Que, por sinal, tecnicamente, foi excelente!


Como acolher?

No segundo dia de vida do bebê, resolvi entrar em cena. Achei que dava. Senti que contava com a permissão emocional da mãe e do pai. Fui me aproximando, meti a mão na massa. Mas foi quando mãe e bebê receberam alta e foram pra casa que pude ficar mais próxima.

Estávamos em casa, o ambiente era mais acolhedor. Sem me preocupar muito com a técnica em si, fui me aproximando. Quando me dei conta percebi que ela confiava em mim e eu no seu desejo de amamentar. Estava estabelecida uma relação profunda de cumplicidade e intimidade entre duas mulheres e irmãs. Uma confiando na capacidade e amor da outra.

Isso fez toda a diferença. O bebê começou a pegar com mais facilidade, a mãe foi se encaixando no filho.

Nenhum produto comprado por precaução foi utilizado. A pega correta foi estabelecida, com o bebê sugando muito, a descida do leite muito suave, sem sofrimento e engurgitamento mamário. Muito leite! Muito leite mesmo e, consequentemente, ganho de peso e engajamento entre mãe e filho.

A tia está feliz, a profissional realizada! E a mulher e irmã completamente confiante na capacidade de amar da recém-mãe!