Sexualidade e Amamentação

Conteúdo originário da palestra realizada no “II Congresso Virtual de Aleitamento Materno”
por Aline Melo de Aguiar

A amamentação apresenta uma gama de vantagens fisiológicas para a mulher e propriedades nutritivas que a tornam a melhor forma de alimentação para o bebê; mesmo assim, o desmame é precoce em muitos casos e essa atitude, que parece incoerente, pode ter explicações no psiquismo e/ou na cultura em que a mulher e sua família estão inseridas.

A amamentação, filogeneticamente falando, é fundamental para o crescimento e o desenvolvimento do bebê e, se olharmos para os comportamentos fundamentais à sobrevivência humana, é possível verificar que o prazer sempre está associado a elas. Por exemplo: comer, reproduzir, dormir. E por que seria diferente com a amamentação? Quando alguma mulher relata sentir algum tipo de prazer com a amamentação, em geral toma o cuidado de dizer que não é sexual. Nesse aspecto, temos a influência da cultura, que preza a mãe como um ser assexuado, sobrepondo-se a algo que, se fosse meramente fisiológico, não se constituiria em problema. Sendo assim, a amamentação, como fundamental à sobrevivência, também pode trazer sensações agradáveis à mulher, incluindo sensações de excitação sexual (Glabach, 2001).

Apesar de inúmeras teorias apontarem a importância do aleitamento para a constituição de um psiquismo saudável e as vantagens para a mulher e para a criança, a prática da amamentação tem apresentado dificuldades através da história. Entre as possíveis causas dessas dificuldades, pode-se considerar que estão fatores orgânicos, socioculturais e psicossexuais.

Dentre os fatores psicossexuais, em nossa sociedade, o componente social do papel de mãe é altamente exigente e mitificado: a mãe deve ser perfeita, amar incondicionalmente o filho, ser assexuada, santa, paciente. Muitas mulheres vivem o conflito entre exercer seu papel materno no nível da adoção do papel social e vivê-lo com certa liberdade, no nível de representação de papéis. Poucas ousam viver o papel materno de forma criativa e espontânea, sem culpa, sem ajuda de um profissional de saúde competente ou de pessoas de sua rede familiar e social que validem sua forma individual de construir seu papel de mãe. O modo como o pai exerce o seu papel junto à mãe e ao bebê vai influir no modo como ela exerce seu papel materno, que vai também depender do exercício de outros papéis familiares, como os avós do bebê, irmãos, tios etc. Se as pessoas exercem seus papéis de forma amadurecida e cooperativa, a mulher exercerá melhor seu papel de mãe e de lactante.

Como visto, o papel de mãe é tido como sagrado, assexuado; assim, assumir esse papel – seja na gravidez, no contexto social ou na relação concreta com o filho – pode provocar conflitos com o papel de mulher sexuada.

Outro ponto a ser destacado é o conflito entre sexualidade e maternidade em relação à dupla função que as mamas têm em nossa sociedade: a função erótica, estética, e a função materna, nutritiva. As mamas têm valor erótico, funcionando como fator estético e para a conquista de um parceiro sexual. Atualmente atravessa-se um momento em que a moda determina seios mais fartos, o que tem levado a um crescente número de cirurgias estéticas para implantação de silicone para aumento do volume das mamas. Isso mostra uma sexualidade, na qual a mulher não sente as mamas como algo que lhe pertença para seu próprio prazer, mas como objeto de conquista segundo os ditames da moda. Contudo, na amamentação a mama tem função sexual para a própria mulher: tornar a amamentação um momento agradável e prazeroso, como são todos os atos destinados à manutenção da vida individual e da espécie: comer, beber, dormir, repousar, reproduzir. Assim, a ocitocina, o mesmo hormônio que está presente no orgasmo, mostra-se na amamentação, provocando nas mamas alguns dos mesmos efeitos que provoca durante o clímax do prazer sexual: ereção dos mamilos, tumescência das mamas, contrações uterinas. Em nossa sociedade, muitas vezes, sexualidade é vista apenas como genitalidade, e este fato refreia a ideia de sensações prazerosas durante a amamentação levando a sentimentos de confusão e culpa ao sentirem excitação sexual durante a amamentação.

A vida sexual é uma parte importante da vida pessoal e do casal — se é satisfatória, fortalece o vínculo conjugal; se é problemática, contribui para a dissolução da relação. Sendo assim, ao abordar o tema “Sexualidade e Amamentação” no “II Congresso Virtual de Aleitamento Materno” vamos trazer reflexões sobre os papéis materno e paterno e do casal e como o profissional de saúde que atende mulheres no ciclo gravídico puerperal pode abordar o assunto e auxiliar o casal na resolução de conflitos e na diminuição do desmame precoce.